Educação
Crimes que começam no lar
Diariamente nos chegam, através da imprensa, notícias de crianças e adolescentes espancados, abusados sexualmente das mais diversas formas, barbaramente torturados e muitos mortos, sendo que, na maioria das vezes, os autores são pessoas próximas das vítimas, amigos, parentes, além dos próprios genitores ou responsáveis legais.
Convivi com tais fatos por aproximadamente 27 anos, no período em que atuei como Delegada de Polícia. Muitos me perguntavam sobre os motivos que levavam o ser humano a tratar de forma tão brutal – e até mesmo bestial – uma pessoa indefesa, a qual, em inúmeras ocasiões, encontrava-se sob sua dependência e responsabilidade.
Infelizmente não tivemos uma resposta de forma absoluta, mas acreditamos que alguns fatores levavam a esse tipo de conduta, sobre os quais passaremos a discorrer. Influenciados pela questão cultural, muitos acreditam que, por serem responsáveis pela criança e adolescente, possuem o direito de dispor dessas pessoas da melhor maneira que entenderem, considerando-se “proprietários” destes, nos quais descontam todas as suas frustrações, dificuldades e pressões.
A forma de educação também influencia, no nosso entendimento, pois muitos pais e responsáveis acabam abusando dos meios de correção e disciplina, acreditando que, desta forma, estão contribuindo para melhor educar as crianças e adolescentes. Pudemos constatar também, durante esses anos de atuação profissional, a influência nefasta de substâncias entorpecentes, bem como do alcoolismo.
Detectamos também que um dos motivos para tais práticas delituosas se encontra na reprodução da violência sofrida na infância, sendo que muitos apenas repetem a mesma forma de tratamento com a qual foram criados, gerando um verdadeiro ciclo vicioso. Também se fez notar o despreparo para o exercício da função de responsável legal, sendo que várias pessoas assumem este encargo ou tornam-se pais e mães sem nunca terem sido preparados para o exercício desse verdadeiro sacerdócio, motivo pelo qual não sabem reagir diante das diversas situações e pressões que lhe são apresentadas, culminando por valerem-se da violência para tentar solucioná-las.
O desenvolvimento de distúrbios psicológicos e psicopatias também levam à prática da violência, bem como a impunidade, pois muitos se aproveitam da amizade e da ascendência que possuem sobre as vítimas, acreditando que, com isso, as manterão em silêncio e evitarão sua punição.
Importante mencionar que alguns desses delitos são divulgados de maneira sensacionalista e até mesmo maçante, provocando uma revolta social. Contudo, não podemos esquecer que não são casos únicos e isolados, mas, infelizmente, partes integrantes de um universo maior, cuja incidência ainda é constante e frequente em nossa sociedade.
Finalizando, gostaríamos de deixar expressa a nossa crença de que as formas de combate a essa violência, para tentar erradicá-la, devem passar por uma mudança radical em nossa cultura social, bem como, pela denúncia das ocorrências, a fim de os autores serem punidos com eficácia e, quando necessário, submetidos a tratamentos que os possibilitem ter condições e equilíbrio psicológico para exercerem suas funções de protetores, provedores educadores, e não de algozes.