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Sociedade 50% x 50%: equilíbrio ou bomba-relógio empresarial?

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É muito comum ouvir empresários orgulhosos dizer: “Aqui é tudo igual. Somos 50% para cada lado. Ninguém manda mais do que ninguém.”

Confira as matérias do Dr. Diego Maldonado Prado

Imagine a cena: dois amigos, duas ideias, um sonho em comum. Sentam-se à mesa, desenham o projeto, definem metas, apertam as mãos e dizem com orgulho: “Vamos dividir tudo meio a meio. Cinquenta por cento para você, cinquenta para mim. Igualdade. Justiça. Parceria.” Essa é, talvez, uma das decisões mais românticas e ao mesmo tempo mais perigosas no universo empresarial. A divisão aparentemente equilibrada das quotas transmite sensação de confiança, mas esconde uma armadilha silenciosa que só se revela quando o primeiro impasse aparece.

O início romântico das sociedades iguais

No início de qualquer negócio, reina entusiasmo. Os sócios acreditam que pensarão sempre parecido, que conversarão com facilidade e que tomar decisões será simples. Porém, a realidade mostra que empresas não vivem apenas de planos — elas se desenvolvem em cenários reais, com desafios, mudanças de mercado, momentos de crise, divergências de opinião e decisões que precisam ser tomadas com assertividade.

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Quando a divisão igual trava decisões

E é exatamente nesse ponto que o modelo societário 50% para cada lado pode se tornar um campo minado. Quando ninguém possui mais de 50%, ninguém decide sozinho. E quando surge discordância, a empresa trava.

Impactos jurídicos e práticos da sociedade 50/50

Pode parecer exagero à primeira vista, mas basta lembrar que o Código Civil exige mais de 50% das quotas para que alterações contratuais sejam aprovadas. Ou seja, modificar o contrato social, eleger ou destituir administrador, aprovar contas ou alterar endereço da empresa — sim, até algo tão simples quanto mudar o endereço — depende de votação que não pode terminar empatada. Agora, imagine que os dois sócios estão em desacordo. Como atingir 51% quando cada um possui exatamente 50%? Simples: não se atinge. Não há maioria. Não há alteração. Não há continuidade. A sociedade permanece congelada no tempo, incapaz de avançar ou se adaptar, mesmo diante de necessidades urgentes.

Impactos jurídicos e práticos da sociedade 50/50

E aqui mora uma verdade que poucos têm coragem de dizer: a sociedade 50/50 funciona muito bem enquanto existe harmonia. Mas basta que surja a primeira divergência mais séria para que a estrutura revele sua maior e verdadeira fraqueza. É como um carro com dois motoristas segurando o volante — enquanto ambos giram para o mesmo lado, o caminho é tranquilo; porém, quando um tenta virar à esquerda e o outro à direita, o carro não vai para lugar nenhum. Ele permanece parado no meio da estrada, vulnerável, à mercê do tempo e dos acontecimentos externos.

E a verdade é uma só, empresas sem agilidade de ação perdem oportunidades, clientes, negócios, credibilidade e, em muitos casos, anos de trabalho.

Conflitos e desgaste entre sócios

Muitos empreendedores acreditam que a relação pessoal, a amizade ou a confiança são suficientes para evitar brigas. Mas sociedade empresarial é como casamento: o amor pode ser intenso no início, mas se não houver regras, comunicação e alinhamento contínuo, pequenas rachaduras podem se tornar grandes fissuras. E quando o dinheiro entra em cena — lucros, investimentos, divisão de responsabilidades, pressão por resultados — até as melhores relações podem ser testadas. Não são poucos os casos em que sócios que começaram como amigos íntimos terminaram como adversários judiciais, gastando tempo, energia e recursos para defender posições que poderiam ter sido evitadas com planejamento prévio.

Quando um sócio se sente sobrecarregado ou acredita que trabalha mais que o outro, cria-se ressentimento. Quando um deseja reinvestir o lucro enquanto o outro quer retirar pró-labore maior, nasce conflito. Quando um enxerga oportunidade de expansão, mas o outro prefere manter operação conservadora, a estratégia se divide. E em sociedades onde ambos têm o mesmo percentual, a divergência rapidamente se transforma em veto, e o veto se transforma em estagnação…quase morte empresarial.

 A partir daí, a empresa se torna refém da discordância. Se um não concordar, nada acontece. E se nada acontece, o tempo cobra sua conta.

Planejamento e prevenção: a chave da sociedade funcional

Mas isso significa que dividir quotas igualmente é um erro? Não necessariamente. Significa que a divisão igualitária por si só não garante equilíbrio. Sociedade não é apenas porcentagem — é estrutura, regras, clareza de papéis, mecanismos de decisão e principalmente prevenção. O que faz uma sociedade funcionar não é a ideia ingênua de que tudo sempre dará certo, mas a preparação madura para quando der errado. Sócios que planejam o futuro em momentos de calmaria evitam tempestades destrutivas quando o conflito surgir.

A chave está em estruturar juridicamente o negócio desde o primeiro dia. Se a sociedade 50/50 é a única forma viável para começar — e muitas vezes é — então ela precisa estar blindada e juridicamente assessorada, o tempo todo. A lei não apenas permite como incentiva que os sócios criem regras próprias para evitar impasses. Ferramentas como acordo de sócios, cláusulas de voto de minerva e previsão de exclusão extrajudicial funcionam como cintos de segurança. Ninguém usa cinto esperando bater o carro — ele existe para o dia em que algo inesperado acontecer. E no mundo empresarial, o inesperado é mais comum do que se imagina.

Ferramentas jurídicas para evitar impasses

O acordo de sócios, por exemplo, é um documento poderoso — quase sempre mais importante que o próprio contrato social quando o assunto é convivência societária. Enquanto o contrato social define aspectos básicos, formais e registra-se na Junta, o acordo de sócios permite ir muito além. Nele se pode estabelecer como serão tomadas as decisões importantes, o que acontece se houver empate, como se dá a entrada de novos investidores, o que ocorre caso um sócio queira sair, como é calculado o valor de suas quotas, se os herdeiros poderão assumir após o falecimento e, talvez o ponto mais sensível de todos, quem tem o poder de desempate em situações críticas.

A previsão de voto de minerva pode ser desenhada de forma estratégica e equilibrada. Não se trata de dar poder absoluto a um sócio, mas de definir critérios. O sócio responsável pelas finanças pode ter voto decisivo nesse tema; o que domina marketing e expansão pode ter voto final nessas áreas. Pode-se determinar alternância anual, criação de uma regra sobre assuntos de valores mais elevados ou uso de mediador externo – um amigo especialista – em conflitos maiores. A criatividade jurídica permite soluções diversas. O importante é garantir que empates não matem o negócio.

Regras de saída e sucessão

Outro ponto fundamental é estabelecer regras para exclusão de sócio. Embora pareça tema delicado, ele é necessário. Nenhuma empresa pode ficar refém de um sócio que não participa, que prejudica o negócio ou age com má-fé. A legislação permite exclusão sem processo judicial quando essa possibilidade está prevista em contrato. Trata-se de mecanismo de sobrevivência empresarial. Não ter essa previsão é como construir casa sem porta de saída: basta um incêndio para que todos fiquem presos.

Igualmente, definir regras de saída de sócio ou em caso de falecimento, pode evitar grandes embates jurídicos envolvendo os herdeiros e até o cônjuges do falecido. Estabelecendo regras claras de como ocorrerão os atos após tais eventos, especialmente como será paga a quota parte do retirante ou falecido, promoverá uma solução rápida e eficaz para a sociedade, essencial para que a atividade comercial não seja afetada drasticamente.

E por que tudo isso deve ser definido no início? Porque no começo os sócios estão dispostos, abertos ao diálogo, otimistas. É o momento em que a razão fala mais alto que a emoção. Depois, quando o conflito surgir — e ele surgirá em algum nível — negociar se torna mais doloroso. Cada um tenta defender seu espaço. O que antes era colaboração vira disputa. O acordo que poderia ser simples se torna quase impossível.

Comunicação e registro de decisões

É importante lembrar que sociedade não é apenas contrato, é convivência. E convivência exige comunicação. Uma das práticas mais inteligentes e pouco usadas é documentar deliberações. Não é necessário formalidade extrema — gravação de reunião, ata simples assinada, troca de e-mails — tudo isso evita discussões futuras sobre memória seletiva. É comum ouvir sócios afirmarem “isso ficou combinado”, quando, na verdade, não ficou. Registrar decisões não significa desconfiança, significa profissionalismo.

Sociedades 50/50 podem funcionar?

Nada disso implica dizer que sociedades 50/50 são ruins. Muitas são excelentes. Há casos famosos de parceiros que construíram impérios dividindo tudo igualmente. Mas se funcionaram, não foi apenas porque tinham porcentagens iguais — foi porque tinham visão alinhada, comunicação eficiente e mecanismos capazes de resolver divergências rapidamente. A sociedade 50/50 perfeita não nasce pronta — ela é construída com maturidade, planejamento e técnica jurídica.

Reflexão final: prevenir é melhor que remediar

Para o leitor que está hoje pensando em abrir uma empresa com igualdade de quotas, ou já possui uma e percebe que as decisões começam a travar, a reflexão é simples e profunda: não basta querer construir uma sociedade justa, é necessário estruturar uma sociedade funcional. Justiça não está apenas na divisão das quotas, mas na capacidade de decidir, crescer, inovar e sobreviver às crises. A mensagem principal é clara: prevenir é melhor que remediar. E quando falamos de negócios, prevenir é infinitamente mais barato. Uma empresa engessada, impedida de alterar seu contrato social por falta de acordo entre sócios, perde ritmo, perde timing de mercado, perde competitividade. Um contrato social sem acordo de sócios é como um carro sem freios auxiliares.

Diego Maldonado Prado

Apaixonado pela família, grato a Deus e perseverante, Diego Maldonado Prado é advogado especialista em Direito Empresarial, Franquias, Contratual, Societário e Cível. Também atua como colunista da RoteiroSJC, compartilhando conhecimento jurídico e inspiração profissional.

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