Educação
Marcelo Galvão: o desbravar, na advocacia, do novo cenário da justiça
Marcelo Augusto Pires Galvão teve, na vida, dois caminhos para seguir. Filho de Mario Leme Galvão, jornalista e um dos pioneiros da Embraer, e da maranhense Naide, o hoje atuante advogado de São José dos Campos tinha tudo para ter sido um comunicador de sucesso. Isso, de fato, ocorreu, mas de uma maneira mais ampliada, pois Marcelo não deixou de seguir os passos do pai que, apesar de ter feito uma histórica carreira no jornalismo, antes havia se formado em Direito e obtido registro na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Graduado em Direito pela UNIVAP (Universidade do Vale do Paraíba), em 1995, Marcelo Galvão uniu a habilidade em comunicar herdada do pai com sua peculiar sensibilidade em defender aqueles que precisam de justiça. Em mais de duas décadas de carreira, essa interação de dons tem feito a diferença para esse advogado que nasceu em Guaratinguetá e que tem vínculos genealógicos com a família de Antônio de Sant’Ana Galvão, o primeiro santo brasileiro da igreja católica. Em entrevista, Marcelo Galvão fala de sua trajetória profissional e dos caminhos da justiça no contexto da prevalência das tecnologias digitais que mudam o mundo e obrigam profissões, como a advocacia, a se reinventarem a todo momento.
ROTEIRO: Como foi a sua trajetória familiar?
MARCELO: Eu nasci em Guaratinguetá; meu pai é formado em direito, mas optou pela carreira jornalística. Praticamente a família toda é do meio jornalístico; de Relações Públicas. Só eu que optei em fazer Direito e seguir [a primeira] carreira [de meu pai] com bastante êxito no Vale do Paraíba, Litoral Norte, Sul de Minas, Rio de Janeiro, São Paulo – tenho [ainda] causas fora do estado. Então a gente trabalha com diversas áreas. O direito é vasto demais e acaba com que todas as pessoas tenham acesso [a ele], hoje. Então é muito bacana! Me formei muito cedo, jovem. Com 20 anos já estava com a carteira da OAB. Daí para cá estou trabalhando já há 23 anos e assisti diversas mudanças no judiciário.
ROTEIRO: Seu pai chegou a atuar como advogado, mas se dedicou basicamente ao jornalismo…
MARCELO: Ele se formou naquela época em que havia nomeações de delegados de polícia que não eram concursados. Ele foi nomeado logo de cara para assumir uma delegacia de polícia em São Paulo. Ele chegou lá, não ficou nem uma semana, pediu exoneração; viu que não era o que ele queria, voltou para Guaratinguetá e mandou currículos para São José dos Campos. Daí no CTA/ITA estavam necessitando [de alguém para] montar uma revista interna e aí ele conseguiu esse trabalho no ITA, de onde ele mandou currículo para Embraer, que estava começando. O currículo foi parar na mão do Ozires Silva [um dos criadores da empresa], e meu pai disse: “isso que é muita sorte, né? De parar logo numa pessoa que já determinava às ordens da diretoria”. Ozires chamou meu pai para conversar e, desde então, ficou na Embraer, [mas ainda] passou pela superintendência da Infraero, trabalhou na Vasp e teve uma carreira bacana nesse sentido.
ROTEIRO: Mas por que sua opção pela advocacia?
MARCELO: Minha mãe é do Maranhão e olha que mistura, né? O Brasil é cheio de misturas e minha mãe é muito brava e acho que eu herdei dela algum gene contencioso. Eu era muito, mas muito aguerrido desde a infância. Eu fiz karatê até os 20 anos, era faixa preta. Eu era aguerrido em relação aos meus posicionamentos e isso acabou me prejudicando um pouco. Na adolescência eu verifiquei e falei assim: acho que eu não posso mais brigar com as pessoas, né? Eu não tenho mais essa habilidade. O mundo foi ficando mais agressivo, mais violento. E aí meu pai disse: “por que você não vai fazer Direito? Porque no Direito você não vai brigar mais, mas você vai bater no papel. O papel vai servir para você desestressar. Vai servir para você atuar e vai ser bom”. E ele estava certo. E aí eu me identifiquei logo de cara. Já arrumei um estágio no Procon de São José dos Campos e depois foram estágios diversos [durante a] faculdade toda. Isso acabou dando um diferencial.
ROTEIRO: Seu início de carreira, então, teve essa influência do seu pai, mas não foi pelo fato dele ter sido advogado, mas pelo fato dele ter lhe incentivado junto com a tua mãe…
MARCELO: Uma outra característica que veio, eu acho, da área de comunicação que eu lido muito bem, é vender meu serviço. Então acho que tem aí uma comunicação, porque, além dos estudos, isso veio aliar uma forma de vender às pessoas meu trabalho como autônomo. [No início] não existiam redes sociais. A rede social do advogado era o cartão e a boca. E eu tinha uma habilidade tremenda em me vender. Isso garantiu que, nesses anos todos, eu formasse uma carteira. Hoje, essa profissão é minha, de contencioso, da pessoa procurar advogado para resolver problemas. [A profissão] mudou muito, porque hoje a rede social é onde a pessoa faz a sua propaganda. Eu cheguei antes [disso], não é? Eu tenho até a possibilidade de ter os melhores clientes agora, após 23 anos [de trabalho]. Eu estou me adequando; me adequei a todo tipo de rede social. Tenho lá minhas [publicações], tudo para me adequar às novas possibilidades, porque acho que eu ainda tenho lenha para queimar. Ainda estou jovem demais.
ROTEIRO: Quando você fala a respeito da comunicação, você fala dessa mudança temporal. A atuação como advogado mudou muito do que era no passado. Como que você avalia isso?
MARCELO: Eu avalio isso [como reflexo do] mundo da comunicação mundial. A comunicação mundial mudou. Hoje tenho filhos de 10 anos e de 5 anos. Tudo o que eu vivi com 11 [anos], que eu lembro, o de 10 já está vivendo há 2 anos. O de 5 tem vocabulário expressivo, de como se fosse de um garoto de 12 [anos]. Essa velocidade nos assusta, mas vai trazer algo para o bem. Essa mudança vai continuar, acho, nos próximos 5 anos, e ela veio para modificar; vai modificar também as profissões. São diversas profissões novas. Então acho que o mundo ainda está em transformação. E a pandemia, então, na área jurídica, foi um divisor de águas. O método do fórum, o método dos processos, [passou a ser] tudo digital. Eu até fechei um escritório que tinha, grande, com 3 salas, 1,8 toneladas de papéis, joguei fora. Tinha arquivos e não tinha coragem de [destruir] documentos de clientes. Eu tinha arquivo morto e guardava aquilo com o maior carinho. Os digitalizei para fazer uma mudança. Hoje estou em duas salas comerciais conjugadas, num prédio moderno na cidade, e não tem papel.
ROTEIRO: Agora, as cobranças também, da mesma maneira que o trabalho, são imediatas…
As sensações, o estresse, tudo isso está aliado. Estudos da psicologia e psiquiatra [mostram que], a nível de saúde mental, nós estamos vivendo algo muito novo. O imediatismo do WhatsApp, a cobrança real em relação aos processos, [e grande]. Os clientes todos tem acesso à rede. Na verdade, quando o cliente liga, ele já sabe mais do que você sobre o andamento do processo, porque [o acesso ao processo] é livre. A pessoa entra, é público, mas isso é bom. Isso está trazendo um pouco de adaptação. Todos estão se adaptando.
Isso exige do profissional um aprimoramento, digamos assim, constante, Não é? Ele precisa ficar atualizado, não só em nível jurídico, mas também em nível tecnológico…
MARCELO: O nível tecnológico da comunicação, de como se comunicar com o cliente, está muito mais próximo de você ser um profissional multifunções, um profissional bom, do que o próprio Direito. Isso foi bom também porque a prova da OAB, para pessoa conseguir tirar a carteira, se tornou vasta, enorme. E a pessoa tem que ter uma capacidade muito técnica para passar na prova. Então, quando [o profissional] vem para o mercado, se depara com todo esse aspecto que vai ter que aprender. Isso se inverteu um pouco. Antes, a pessoa tinha que estudar demais para sair um bom profissional. Hoje ela sai, razoavelmente, mas tem que aprender muitas outras habilidades. Eu insisto muito nisso com os meus estagiários, porque essa habilidade não é encontrada em lugar nenhum; ela é conquistada dentro do trabalho.
ROTEIRO: Você falou dessa relação entre o advogado e cliente. E a relação entre o advogado e a própria justiça?
MARCELO: A relação do juiz/advogado, do estado/advogado, do juiz/advogado, da promotoria e advogado mudou demais também. Ela mudou para melhor, eu acredito. Quando você dizia poder judiciário era algo magnânimo. O juiz tinha quase que um poder divino para as pessoas, né? O juiz decide a vida das pessoas, seja pela ordem criminal, pela liberdade, seja através do direito civil, econômico – que às vezes dói mais que a própria liberdade, seja o direito de família. Houve uma aproximação muito grande e a gravação dos atos. Então os juízes, promotores, todos tiveram que suportar também, de uma forma muito polida, de respeito e de aplicação da própria justiça. As audiências, por exemplo, são marcadas de 10 em 10 minutos, de 5 e 5 minutos. Antigamente, o juiz era o presidente do ato. Hoje, ele tem que seguir realmente, não que ele não seguia, mas hoje ele tem que seguir as regras, porque todos tem que tomar cuidado, porque tudo está sendo gravado. Então tem que ter uma cordialidade entre todos. Estamos todos no mesmo nível: advogado, juiz e ministério público. Isso foi importante para todos. Precessão exata das regras, como elas têm que ser.
ROTEIRO: Essa mudança também, de certa maneira, ocorreu no mundo virtual. Hoje, muitas audiências não são mais face a face…
MARCELO: É difícil ocorrer uma audiência presencial. O Conselho Nacional de Justiça exigiu, cerca de 60 a 90 dias atrás, que todos os juízes fizessem audiências presenciais. Quando os juízes começaram a cumprir a exigência, a advocacia gritou: “não, nós adoramos a ideia do virtual!” Você não precisa sair do seu escritório, não precisa fazer deslocamentos. Muitas vezes você pega um processo, em estados diferentes, e viaja de avião, de [transporte] rodoviário para poder realizar um ato de uma audiência que não dura 10 minutos. Então, a audiência virtual, eu mesmo, sou muito a favor.
ROTEIRO: As questões jurídicas também precisam evoluir no mesmo tempo da tecnologia que está inserida na nossa vida. Como que você avalia hoje a questão da justiça que ainda lida com leis que necessitam de reformas?
MARCELO: Olha, eu vou falar para você com base, então, nos 3 poderes. O estado é dividido em 3 poderes: o executivo executa as leis criadas pelo legislativo e o judiciário faz a balança desses três poderes, aplicando ou verificando se a norma é constitucional ou se a norma é válida. As decisões vão criando jurisprudências e os anos passam. Por conta da comunicação, voltando novamente para a comunicação pela tecnologia, as pessoas criaram um meio de cobrar o executivo, cobrar o legislativo e cobrar, agora, o poder moderador, que é o judiciário. Toda essa modernidade está fazendo com que haja conhecimento [das pessoas por causa] da informação [disponível] em [grande] velocidade. Então, desde uma discussão que é feita num bar por causa dos políticos ou por causa de A, B ou C, passou-se também a se assistir as pessoas que estão criando as leis. Surgiu então um problema: o que acontece: não só as coisas que são benéficas aparecem, mas aparecem também todos os defeitos de todos os órgãos, de todos os poderes. Então [estamos] passando por transformações. Os poderes passam por transformações, ou seja, terão que se adaptar e atualizar os próprios dispositivos, ferramentas [e normas] que utilizam no dia a dia.
ROTEIRO: Qual orientação que você dá àqueles que necessitam da justiça?
MARCELO: O advogado é o profissional habilitado a estar em juízo. Nós chamamos [isso] de capacidade postulatória; só o advogado tem essa capacidade; ele que detém um entendimento de como aplicar as regras. Se o meio de comunicação trouxe acesso às regras, [as pessoas] sabem as regras, mas não têm capacidade postulatória de fazer com que isso seja válido ou garanta seus direitos. Então, nunca deixe de procurar um profissional; nunca vá numa delegacia dar um depoimento sem que tenha um advogado ao seu lado. Se algo deu errado numa compra de internet, busque um advogado para você saber [o que pode ser feito]. Até porque o Estado criou, em 1995, o juizado que nós chamamos de Juizado Especial Cível – esse é o nome correto – e as pessoas chamam no coloquial de Juizado de Pequenas Causas. Ele [o juizado] não funciona para as pessoas porque lá as pessoas podem utilizar o órgão sem advogado, mas o Estado não entrega algo efetivo, bom. Então, como o Estado não entrega para você uma saúde boa, não entrega para você uma delegacia efetiva – é muito precário que o Estado entrega, então também o Juizado vai ter um limite de atendimento. O ideal mesmo é que a pessoa nunca deixe, mesmo numa causa pequena, de ter o advogado; ele é essencial à administração da justiça.